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Paz traída história rasurada - Jorge Eurico

Luanda -   Miguel Martins Zau “Mig” perdeu a kinama (perna) enquanto militar das FAPLA. Hoje é músico. Vive na indigência. O País vibra ao som da sua música. Os políticos trauteiam-na. Mas o Executivo ignora-o com sucesso. Os seus filhos, entre a dor e a revolta, recorrem às redes sociais para implorar o reconhecimento da contribuição do pai como antigo combatente e memória viva da guerra: “Gostaríamos que o Estado angolano olhasse para o nosso pai.” Até agora, recebeu apenas medalhas de desprezo do País que ajudou a defender.

Fonte: Club-k.net

A Presidência da República decidiu apagar crimes de guerra com medalhas de honra. Entendeu condecorar a guerra e os seus protagonistas, traindo a Paz. Um dos mais irascíveis, truculentos e incendiários políticos da UNITA entre Setembro e Novembro de 1992 vai ser condecorado: Elias Salupeto Pena, de sua graça. As suas declarações públicas, enquanto representante da UNITA na Comissão Conjunta Militar e Política (CCPM), serviram de combustível para a refrega pós-eleitoral de 1992, primeiro na capital angolana, depois, por arrasto, em todo o território nacional. Roma nunca pagou a traidores. Luanda paga. E, pelos vistos, paga muito bem.


Salupeto Pena é sobrinho de Jonas Savimbi. Vai ser agraciado pela Presidência da República na categoria “Paz e Desenvolvimento”. Como é que é?! Sobrinho e tio tornaram-se agora, por obra e graça da Presidência da República, agentes e símbolos da Paz. Honras e glórias de Estado para Salupeto Pena e, quiçá em breve, para Jonas Savimbi. Uma reversão simbólica tão ousada quanto cínica. Que bicho mordeu, afinal, a Presidência da República? Só pode ser deslealdade política. Uma traição consentida pelo MPLA, em prejuízo das vítimas da guerra que nunca foram reconhecidas nem justiçadas. Trata-se de um insulto à memória colectiva dos angolanos. Um acto de revisionismo histórico travestido de reconciliação nacional unilateral. Uma tentativa de rasurar a História.


Pelo andar da carruagem, tudo indica que, em Novembro, o tio de Salupeto Pena vai ser igualmente laureado na mesma categoria. Hipocrisia institucional transformada em política de Estado. Uma coisa é certa: A UNITA já está no poder. Já manda na Cidade Alta. Só assim se compreende que alguns dos que mais contribuíram para a guerra e o subdesenvolvimento do País sejam hoje premiados com o selo oficial da Paz e do Desenvolvimento.


Isto, em bom português, chama-se traição. Uma traição vinda do topo. Um abuso. Um desrespeito gritante para com todos os efectivos da Luta Contra Bandidos (LCB), enterrados sem nome nem Justiça nas recônditas matas deste País. Jovens que, na flor da idade, não escaparam às rusgas. Foram levados para enturmar as FAPLA.Ficaram mutilados, estropiados e sem futuro por causa da guerra, vão agora ter de fazer um minuto de silêncio quando Salupeto Pena e, eventualmente, o tio forem distinguidos pela Presidência da República.


Já sei: O argumento será o de que precisamos de esquecer o passado e reconciliar-nos. Pois bem: Que a Presidência da República pergunte isso aos pais que (não) enterraram os filhos. Aos órfãos da guerra. Aos antigos combatentes das FAPLA, hoje transformados em indigentes. Repito: Isto é uma traição. Política, moral e histórica. Um dia, alguém terá de fazer mea culpa por esta infâmia. Aqui deixo lavrado o meu grito de indignação perante a mais vil traição cometida em nome da Paz e pela mal-sucedida tentativa de rasurar a História.


Remate final: O músico Mig perdeu a kinama (perna) pela Pátria. Hoje, vive na miséria. Salupeto Pena incendiou Angola em 1992. Vai ser condecorado com medalha de Paz e Desenvolvimento. Eis o País das medalhas ao contrário.

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