A intervenção da vice-presidente do MPLA, Mara Quiosa, na abertura da Conferência Inaugural dos Eventos de Formação Política do Partido, em Luanda, não é apenas um discurso formal. É, na verdade, uma chamada de atenção que merece ser sublinhada e valorizada. Esta coragem tem de ser analisada por observadores atentos. Num tempo em que o Presidente do MPLA e da República perde, visivelmente, aceitação popular, insistir na matriz ideológica do partido pode ser um ponto de viragem.
A matriz esquecida
Os Estatutos do MPLA, revistos em 2024 e publicados em Diário da República a 3 de Junho de 2025, são taxativos: o partido define-se como um partido assente no "socialismo democrático", defensor da justiça social, do humanismo, da liberdade, da igualdade e da solidariedade (Artigo 9.º).
O socialismo democrático, tal como é entendido no mundo, implica políticas públicas fortes para reduzir desigualdades, investir na educação, saúde e emprego, e garantir protecção social aos mais vulneráveis. É, em suma, uma ideologia que coloca o Estado como garante do bem-estar colectivo.
Contudo, em Angola, vemos muitas vezes decisões que se aproximam mais a uma agenda de direita, em que o mercado é soberano, as elites concentram riqueza e o Estado funciona mais como protector dos poderosos do que como promotor do bem comum. Privatizações mal explicadas, negócios públicos que beneficiam poucos, concentração de renda em famílias ligadas ao poder e a exclusão de milhões de cidadãos da prosperidade nacional são exemplos que contradizem a matriz oficial do partido.
É neste ponto que a crítica de fundo surge: o MPLA parece viver entre duas identidades — a que está escrita nos Estatutos e a que se manifesta nas práticas do poder. Daí a relevância da iniciativa de Mara Quiosa: devolver ao partido a coerência entre o que proclama e o que faz.
A importância da formação política
Ao defender a revitalização do Sistema Nacional de Formação Política, Mara Quiosa trouxe ao debate interno algo que pode transformar-se em factor de reposicionamento: a necessidade de os militantes estudarem os Estatutos e se reapropriarem da sua identidade ideológica.
Mais do que repetir slogans, a formação político-ideológica obriga os dirigentes a questionar: estamos a governar de acordo com a nossa matriz fundacional ou a trair os princípios que jurámos defender?
O reforço da coesão interna, o combate ao improviso e a exigência de integridade moral — valores destacados pela vice-presidente do MPLA — só terão sentido se forem seguidos de práticas concretas.
Entre o povo e o poder
O MPLA tem hoje um grande desafio: reconquistar a confiança popular. Isso não se faz apenas com discursos ou promessas. Faz-se com clareza de rumo, com disciplina interna e com dirigentes capazes de dar exemplo. Faz-se, sobretudo, quando o partido se coloca do lado certo da História — o lado do povo, e não apenas o da máquina do poder.
Se a exigência de estudo dos Estatutos se transformar em prática real, pode ser o início de uma viragem. O MPLA precisa de se recordar que nasceu como movimento libertador e que, nos seus fundamentos, não se limitava a ser uma estrutura de conquista de cargos, mas uma organização ao serviço do povo.
Uma oportunidade de mudança
É neste ponto que a iniciativa de Mara Quiosa ganha relevância política. Ao colocar a ideologia no centro do debate, a vice-presidente do MPLA está, implicitamente, a dizer que o partido não pode continuar a ser conduzido ao sabor de interesses pessoais ou de conjuntura.
O futuro do MPLA dependerá da coragem de assumir a sua própria matriz e da capacidade de demonstrar que ainda pode ser, de facto, a força política capaz de promover justiça social, liberdade e igualdade.
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