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Jardo Muekalia no PRA - JA: a volta de quem nunca esteve - Horacio dos Reis

Luanda - Dizem os sábios africanos que “o búfalo que se afasta demasiado do rebanho, quando volta, já não reconhece o cheiro da manada”. Jardo Muekalia parece ser esse búfalo: forjado na chama da independência, moldado no ferro do conflito, mas que, quando a poeira da guerra assentou, preferiu os corredores acarpetados de Washington às estradas poeirentas de Luanda.

Fonte: Club-k.net

Não há dúvidas: no tempo da pólvora e do chumbo, Muekalia foi credível, um rosto sério, útil à causa, aquele que falava a língua do império para traduzir a angústia dos que morriam no mato. Mas, terminada a guerra, fez-se silêncio. Enquanto os camaradas suavam na reconstrução da UNITA, disputavam congressos, batiam-se pela liderança e arriscavam a pele na turbulência política, Muekalia optou por uma “revolução interior”: mergulhou na academia e na segurança confortável do estrangeiro.

Há um provérbio chinês que diz: “o homem que espera que o rio seque para atravessar, acaba por envelhecer na margem”. Assim aconteceu. Durante 23 anos de paz, Muekalia esperou. Esperou tanto que a corrente mudou, o leito do rio transformou-se, e quando agora decidiu atravessar, já não encontra a ponte nem a multidão que o esperava.

É verdade, rejeitou convites para disputar a liderança da UNITA. Talvez por prudência. Talvez por medo. Talvez por cálculo. O certo é que cada recusa foi como um prego no caixão da sua relevância política. Em Angola, onde a memória coletiva é curta mas a desconfiança é longa, quem desaparece demasiado tempo regressa como estrangeiro.

E agora, surge este anúncio: Muekalia abraça o PRA-JA de Abel Chivukuvuku. Um projeto que carrega a esperança de uns, a desconfiança de outros e a interrogação de muitos. Será o reencontro de dois velhos conhecidos? Ou será a tentativa de reescrever um livro cujas páginas já foram viradas há muito?

A ironia maior é que, durante anos, Muekalia serviu interesses lobistas que facilitaram o caminho do próprio governo que outrora combateu. Na linguagem dos anciãos, “quem carrega água para o inimigo não pode reclamar da sede dos seus”.

Hoje, pergunta-se: o que acrescenta Jardo Muekalia ao cenário político de Angola? Um nome? Uma memória longínqua? Uma assinatura num comunicado? Ou apenas o perfume da nostalgia que já não mobiliza?

O tempo da revolução passou, o tempo da paz passou, e agora estamos no tempo da sobrevivência política. Neste tempo, não basta ter sido “o rosto do lobby em Washington”; é preciso ser o rosto que fala ao coração do povo. E esse rosto, convenhamos, já não é o dele.

O sábio africano concluiria assim: “Quando o leão se ausenta da savana, outros animais aprendem a rugir. Se regressar, que não espere que o seu rugido assuste como antes.”

Assim é Muekalia: regressa com rugido tardio, num país que já aprendeu a viver sem a sua voz.

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