Luanda - Terminada a guerra, e tendo já decorrido todos estes anos, cada vez que me ponho a rever o que ainda recordo do passado revolucionário, vergo-me perante todos os combatentes das extintas Forças Armadas Patrióticas e Revolucionárias de Libertação de Angola (FALA). Eles combateram o bom combate. Foram, sem sombra de dúvida, os verdadeiros heróis do derrube do monopartidarismo em Angola. Um desses bravos combatentes foi, sem dúvida alguma, o comandante Jorge Mwatchilunda “Tembi-Tembi”.
Fonte: Club-k.net
Infelizmente, não cheguei a conhecê-lo, nem me lembro de ter visto uma fotografia sua. A única imagem que construí dele é a de um homem de estatura médio-alta, porte atlético e olhar atento. Foi isso que o meu amigo Nando Tchingweta, de feliz memória, dizia sobre o seu amado pai, Tembi-Tembi. Pelas histórias que o Nando me contava, pareceu-me que o seu pai, na juventude, era muito disciplinado e rigoroso no que fazia. Andava sempre com uma agenda de bolso, onde tomava notas do seu dia-a-dia. Mesmo na guerrilha, não se esquecia da sua agenda.
Hoje, começo a imaginar que, talvez, assim que terminasse a guerra, quisesse escrever as suas memórias com base nas notas que ia tomando. Tais apontamentos, segundo a sua filha Gina Tembi, foram recuperados pelas FAPLA após a sua morte em combate. Na época, a Rádio Nacional de Angola criou um espaço radiofónico chamado “O Diário de Tembi-Tembi”, onde se liam alguns excertos dos seus escritos. Um deles dizia, mais ou menos, o seguinte: “... por esta mata, passei várias vezes; de tanto passar, passei a conhecer cada uma das árvores...”. Fim de citação.
(Juro-vos que fiquei encantado com a força emocional dessas palavras! O coronel, guerrilheiro, revelava a sua veia literária... Afinal, era um bom observador: olhava com o coração para a floresta que o protegia, por isso aprendeu a conhecer cada uma das árvores e o valor que elas representavam... Imaginei: quantas vezes se terá sentado à sombra de uma delas, para renovar as energias e aproveitar escrever o que lhe corria pela alma? Quantos sonhos de uma Angola democrática não terão sido sonhados enquanto dormia tranquilamente debaixo da sua árvore preferida? Estou certo de que o Comandante Tembi-Tembi havia criado uma forte intimidade com aquelas árvores e, provavelmente, as teria alcunhado... ou, talvez, sei lá, as próprias árvores também o tenham alcunhado de “O Viandante da Liberdade”, a quem aguardavam ansiosamente a cada nova primavera! É essa conexão misteriosa que, por vezes, um escritor estabelece com a natureza.)
Se a memória não me atraiçoa, no ano de 1985 a actividade militar em Kazombo era bastante intensa. As Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) tinham lançado uma ofensiva para retomar a pacata vila de Kazombo (actual capital da nova Província do Moxico-Leste), com o objectivo de reduzir a capacidade de manobra dos guerrilheiros de Jonas Savimbi naquela região. Foi, provavelmente, nessa fase que Tembi-Tembi, conhecido pela sua eloquência, dinamismo, coragem, disciplina e bravura, foi enviado para aquela região.
Como de costume, para tentar apurar alguns dados, liguei para o tio Chidinho Gato. Prontamente, deu-me os detalhes necessários: muitos deles estarão no livro que pretendo publicar. Disse-me que acompanhou de perto a situação. Segundo ele, fez parte da equipa de operadores da DIVITAC (Divisão de Telecomunicações do Alto-Comando), que se deslocaram com o Dr. Savimbi para o Kazombo. O percurso foi o seguinte: saíram de helicóptero da Jamba até Mavinga, onde permaneceram alguns dias. Lembra-se de que, em Mavinga, os oficiais-generais foram orientados pelo Dr. Savimbi a confeccionarem a refeição da tropa e a servirem-na a cada militar presente. Depois dessa demonstração de humildade para com os soldados, o Alto-Comandante e a sua comitiva seguiram de avião (Dakota) para o Kazombo; os demais efectivos viajaram a bordo de um Hércules C-130.
Naquela altura, os combates para desarticular as Brigadas das FAPLA envolvidas na ofensiva eram renhidos, sobretudo quando se tratava da 21.ª Brigada, com o seu imponente aparato bélico. O elevado número de baixas no terreno provocava um certo desgaste emocional nos combatentes das FALA. Para manter a moral das tropas, o Coronel Tembi-Tembi, na qualidade de Comissário Político-Militar da frente, via-se obrigado a deslocar-se constantemente até às linhas de combate, a fim de manter o contacto directo com os soldados. Numa dessas habituais deslocações, caiu numa emboscada montada por uma patrulha combativa, provavelmente afecta à 21.ª Brigada, que avançava pelo eixo central. Dessa emboscada saíram incólumes o então Coronel Ngongo e outros guerrilheiros. Contudo, naquele dia de Agosto de 1985, tombava heroicamente um dos melhores filhos de Angola: o Coronel Jorge Mwatchilunda, “Tembi-Tembi”.
Voltarei...
Luanda, 10 de Junho de 2025
Gerson Prata
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